Ritos de passagem

Você gosta de conversar sobre assuntos relacionados a Mitologia, Simbologia, Psicologia/Psicanálise (Carl G. Jung, Freud e outros), Rituais, Folclore, Religião comparada, Sonhos e principalmente Joseph Campbell em português? Ou quer saber mais sobre esses assuntos? Então junte-se a nós!

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ligia
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Ritos de passagem

Post by ligia »

Estive olhando o forum em inglês e achei interessante o tópico sobre ferramentas para rituais, como ritos de passagem.

Um dos posts fala sobre a iniciação feminina, que é biológica, portanto é dada pela natureza. Fala também o quanto tem mudado a aceitação e expectativa pelo grupo etário, em apenas uma geração.

Vi o mesmo acontecer aqui, seria um fenômeno cultural quase mundial?

O tema mais difícil é a iniciação masculina. Não sei se seria a iniciação sexual, ou os grupos que se hostilizam, como torcidas de futebol...

Vocês têm alguma observação sobre isto?

Lígia

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Pois é... a história da iniciação feminina, que passa do mundo infantil à esfera adulta por meio da menstruação é algo que explicaria porque as mulheres tendem a amadurecer (psicologicamente) mais cedo do que os homens.

Mas uma coisa me preocupa. O fato de não haverem mais ritos de passagem ou iniciação masculinos. Não sei se isso é algo apenas local, ou até mania de conspiração minha, mas tenho notado que os homens têm demorado cada vez mais para atingirem uma maturidade psicológica. Eu noto rapazes de 20, 25, 30 anos ou mais que se vestem e se comportam como se ainda tivessem 12. Eu tenho 26 anos, e na época do meu pai, quando ele estava perto dessa idade já tinha uma empresa, casa, carreira, tudo já relativamente definido. Hoje é muito difícil encontrar rapazes com 25 que já morem fora da casa dos seus pais.

Lembro de ter lido há um tempo atrás, enquanto esperava no consultório médico, em uma dessas revistas femininas, creio que era a Nova, uma matéria para ajudar as mulheres a identificar o "cara certo", que fosse amadurecido, responsável, com perspectivas e tal. Uma das dicas que era dada para as leitoras, era de observar se o seu pretendente (acima de 25 anos) ainda morava com os pais... Por que isso indicaria que ele ou possui uma psicodependência muito forte ou teria algum outro problema sério. Agora imaginem... particularmente, todos os homens da minha idade que conheço moram com os pais.... :lol: E isso me fez pensar muito na falta que um rito de passagem está fazendo para a ala masculina. Porque atualmente até o rito do casamento, que já perdeu muito do seu significado, e está sendo cada vez mais suprimido pelas novas gerações, conseguia dar um jeito, já que o homem teria que assumir novas responsabilidades e aprender a viver à dois (assim como a mulher, mas para a mulher o impacto não é o mesmo, por motivos óbvios). Enfim.. é algo que eu continuo me perguntando...
“Nós podemos tornar nossa vida feliz ou miserável. As duas coisas dão o mesmo trabalho.”

(Carlos Castañeda)

ligia
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BlissFollower wrote:... Não sei se isso é algo apenas local, ou até mania de conspiração minha, mas tenho notado que os homens têm demorado cada vez mais para atingirem uma maturidade psicológica. Eu noto rapazes de 20, 25, 30 anos ou mais que se vestem e se comportam como se ainda tivessem 12. Eu tenho 26 anos, e na época do meu pai, quando ele estava perto dessa idade já tinha uma empresa, casa, carreira, tudo já relativamente definido. Hoje é muito difícil encontrar rapazes com 25 que já morem fora da casa dos seus pais.
Sou muito mais velha que você, e os rapazes no meu tempo já eram assim: continuavam se vestindo como se... etc. Parece-me que os homens de hoje querem um carreira, e as mulheres também, mas os tempos estão difíceis para o trabalho, não?
BlissFollower wrote:Lembro de ter lido há um tempo atrás, enquanto esperava no consultório médico, em uma dessas revistas femininas, creio que era a Nova, uma matéria para ajudar as mulheres a identificar o "cara certo", que fosse amadurecido, responsável, com perspectivas e tal. Uma das dicas que era dada para as leitoras, era de observar se o seu pretendente (acima de 25 anos) ainda morava com os pais...
Bem, na minha geração, homens e mulheres saíam da casa dos pais. Era mais barato do que hoje. As coisas ficaram incrivelmente mais caras, além disso, o apelo ao consumo faz as pessoas acreditarem que não podem viver numa casa que não tenha... (home theater, 2 garagens, etc.) Acho que a gente ainda cheirava as flores dos hippies...
BlissFollower wrote:... Porque atualmente até o rito do casamento, que já perdeu muito do seu significado, e está sendo cada vez mais suprimido pelas novas gerações, conseguia dar um jeito, já que o homem teria que assumir novas responsabilidades e aprender a viver à dois (assim como a mulher, mas para a mulher o impacto não é o mesmo, por motivos óbvios). Enfim.. é algo que eu continuo me perguntando...
A minha geração foi talvez a primeira a deixar de casar oficialmente, em maior número, entre a classe média. Era moda na época. E ficamos muito surpresas ao ver os mais novos retomarem valores que nós achávamos que tinham acabado, como o casamento de branco na igreja.

Mas, claro, você tem razão, faltam os ritos de passagem para os homens. Acho que o pessoal de Findhorn tentou criar alguns, fazendo rodas de homens e coisas assim.

Agora, em São Paulo, e talvez em outras cidades brasileiras, o número de lares chefiados por mulheres deve estar maior que o dos chefiados por homens, porque era exatamente a metade, em 2003.

ligia
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O suplício de Papai Noel em Dijon e os ritos de passagem

Post by ligia »

Saiu um livro de 52, do Levi-Strauss, O suplício de Papai Noel.

Aconteceu em Dijon, em 51. O Papai Noel é uma tradição americana, importada
depois da guerra na França.

O Levi-Strauss fala de um rito de passagem, que é sempre uma transação entre
iniciados e não-iniciados, e mulheres e crianças fazem parte dos segundos.
Ele faz um paralelo com os katchina dos índios Pueblo, espíritos que vinham
assustar as crianças, mas cuja origem era os espíritos das crianças mortas durante
migrações, que vinham buscar outras crianças. A partir daí se estabeleceu uma
transação entre mortos e vivos, representada no ritual.

Então, o Papai Noel é uma invenção dos adultos pra controlar (bom
comportamento) as crianças, MAS ao mesmo tempo uma forma de levar as
crianças a fazer com que eles, adultos, acreditem na vida, num céu que dá
presentes.

Por fim - ou começo - o Papai Noel foi queimado em Dijon pelo clero, porque era
uma crença pagã, sendo que o Natal é o nascimento de Cristo e ponto. Mas a
origem - bem confusa - do Papai Noel remonta às saturnálias romanas, tempo de
cessação das leis, no solstício de inverno do hemisfério norte (período desde o
Hallowe'en em que os mortos ameaçam os vivos, e que termina no sosltício,
quando os mortos partem com os presentes que conseguiram dos vivos).

Saturno mesmo, devorador de crianças, é resquício de um deus mais antigo, que
era ritualmente morto a cada ano.
Então, quando o clero queimou o Papai Noel por ser pagão, estava
restabelecendo um rito pagão...

Ver artigo do Lévi-Strauss em:
http://publique.rdc.puc-rio.br/revistaa ... trauss.pdf

Feliz Natal! :lol:

Girassol
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Post by Girassol »

Olá,

Que conversa animada!

A questão da maturidade em relação ao homem e à mulher é supercomplexa. Campbell apontava para a questão biológica e chegou a comparar grupos de seres humanos aos grupos de chimpanzes estudados por Jane Goodall. Ele falava da existência de uma “espontaneidade biológica” que está presente no comportamento dos homens e das mulheres. Joseph Campbell também prestou muita atenção ao processo de socialização existente em qualquer grupo de seres humanos. Para mim, a socialização pode reprimir ou apoiar a “espontaneidade biológica”.

Muitos são os workshops oferecidos com intenção de criar um rito de passagem para ajudar aos homens no seu processo de amadurecimento. Robert Bly é um pioneiro nessa área. O seu livro João de Ferro – Um Livro Sobre Homens da editora Campus apresenta a proposta do seu trabalho.

Um abraço.

Theresa
Girassol

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Oi Lígia!

Respondendo a alguns dos seus argumentos:
Sou muito mais velha que você, e os rapazes no meu tempo já eram assim: continuavam se vestindo como se... etc. Parece-me que os homens de hoje querem um carreira, e as mulheres também, mas os tempos estão difíceis para o trabalho, não?
Interessante você dizer que os homens de hoje querem uma carreira, já que o índice, por exemplo, de pessoas que iniciam uma faculdade, e que chegam ao final dela é muito díspare. Mas é como eu disse anteriormente, talvez isso seja um "fênomeno" mais localizado, talvez regional. Algo cultural. Eu não acho que os tempos parecem difíceis para o trabalho. Na verdade, um tio meu que têm empresa de recrutamento para empregos e estágios comenta o tempo todo: há mais trabalho do que trabalhadores... Se for perguntar a qualificação então a história fica pior. Me desculpe dizer, mas há questão de 20 ou 30 anos atrás as pessoas corriam muito mais atrás da "vida adulta" do que é atualmente. E isso não é só eu que digo, o que mais tem são estudos e pesquisas mostrando isso. As novas gerações estão cada vez mais imaturas, emocionamente despreparadas e demorando mais para iniciarem a vida adulta do que se fazia há questão de poucas décadas atrás. Muito disso se deve exatamente ao fato de que muitos pais, na ânsia de poupar os filhos das dificuldades que tiveram, acabam superprotegendo e provendo todas as suas necessidades. Nós estamos vivendo em uma época de geração "canguru". É como dizem alguns psicólogos, essas gerações mais novas não entram mais na fase adulta, elas se tornam "adultescentes". São adultas para algumas coisas (normalmente sexo) e adolescentes para outras (responsabilidades, trabalho). Há poucas décadas atrás, uma pessoa de 30 anos que morava com os pais tinha algum problema.. Ou era "solteirona" (solteirão), doente, ou simplesmente não queria nada com nada. Era um verdadeiro escândalo. Hoje, isso é o normal. Uma pessoa que casa com 21 anos, atualmente, por exemplo, é um "absurdo". Antigamente isso é que era o normal. Enfim. O mundo mudou porque as pessoas mudaram. Não é que esteja mais difícil, eu acho que as pessoas é que estão mais "moles"...
Bem, na minha geração, homens e mulheres saíam da casa dos pais. Era mais barato do que hoje. As coisas ficaram incrivelmente mais caras, além disso, o apelo ao consumo faz as pessoas acreditarem que não podem viver numa casa que não tenha... (home theater, 2 garagens, etc.) Acho que a gente ainda cheirava as flores dos hippies...
Eu não acho que as pessoas estão demorando de sair de casa somente porque a vida está mais cara. Isso também é um grande motivo (e uma grande desculpa), mas sei lá... acho que está mais é praquela história de que as "fronteiras acabaram". É como se as pessoas não tivessem muito mais pelo que lutar. Tipo, o mundo é superpopuloso, a concorrência é grande, a vida é cara, tudo que já tinha para ser descoberto já foi, pra que tentar? Porém, oportunidades não são entidades sobrenaturais que se materializam. São as pessoas que criam. Antigamente as coisas também não eram nada fáceis. Na verdade, se fôssemos colocar numa balança, acho que a vida era muito mais complicada há 30, 40 anos atrás do que é agora. Havia muito mais preconceito, apego à tradições e valores inúteis, distâncias etc. do que hoje. Acho que o maior problema do mundo atualmente é de falta de organização... As pessoas só pensam em aprender a nadar quando a água já está na cintura.

A minha geração foi talvez a primeira a deixar de casar oficialmente, em maior número, entre a classe média. Era moda na época. E ficamos muito surpresas ao ver os mais novos retomarem valores que nós achávamos que tinham acabado, como o casamento de branco na igreja.
Na verdade, eu já penso que não são os valores do casamento que foram "retomados" pelos mais novos... mas sim que há uma moda de casar na igreja que voltou...
Mas, claro, você tem razão, faltam os ritos de passagem para os homens. Acho que o pessoal de Findhorn tentou criar alguns, fazendo rodas de homens e coisas assim.
É... definitivamente falta!!
“Nós podemos tornar nossa vida feliz ou miserável. As duas coisas dão o mesmo trabalho.”

(Carlos Castañeda)

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Re: O suplício de Papai Noel em Dijon e os ritos de passagem

Post by BlissFollower »

ligia wrote:Saiu um livro de 52, do Levi-Strauss, O suplício de Papai Noel.

Aconteceu em Dijon, em 51. O Papai Noel é uma tradição americana, importada
depois da guerra na França.

O Levi-Strauss fala de um rito de passagem, que é sempre uma transação entre
iniciados e não-iniciados, e mulheres e crianças fazem parte dos segundos.
Ele faz um paralelo com os katchina dos índios Pueblo, espíritos que vinham
assustar as crianças, mas cuja origem era os espíritos das crianças mortas durante
migrações, que vinham buscar outras crianças. A partir daí se estabeleceu uma
transação entre mortos e vivos, representada no ritual.

Então, o Papai Noel é uma invenção dos adultos pra controlar (bom
comportamento) as crianças, MAS ao mesmo tempo uma forma de levar as
crianças a fazer com que eles, adultos, acreditem na vida, num céu que dá
presentes.

Por fim - ou começo - o Papai Noel foi queimado em Dijon pelo clero, porque era
uma crença pagã, sendo que o Natal é o nascimento de Cristo e ponto. Mas a
origem - bem confusa - do Papai Noel remonta às saturnálias romanas, tempo de
cessação das leis, no solstício de inverno do hemisfério norte (período desde o
Hallowe'en em que os mortos ameaçam os vivos, e que termina no sosltício,
quando os mortos partem com os presentes que conseguiram dos vivos).

Saturno mesmo, devorador de crianças, é resquício de um deus mais antigo, que
era ritualmente morto a cada ano.
Então, quando o clero queimou o Papai Noel por ser pagão, estava
restabelecendo um rito pagão...

Ver artigo do Lévi-Strauss em:
http://publique.rdc.puc-rio.br/revistaa ... trauss.pdf

Feliz Natal! :lol:
:lol:
eu gostei da placa dessa igreja americana, que diz: "O Papai Noel nunca morreu por ninguém!"

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Greg Shaw
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Post by Greg Shaw »

Oi pessoal,

Sem dúvida, o ser humano de qualquer idade sempre está numa busca fundamental por alguma estrutura de apoio social capaz de ajudá-lhe crescer conforme a sustentabilidade do nosso ecossistema mundial. Mitologia, religião, ciência e uma multidão de clubes e outras organizações tentam ocupar aquele espaço vazio, porém, apesar das suas pretensões, nenhum delas tem uma resposta adequada, porque as possibilidades melhores mudam mais rápido que qualquer sistema que seja composto de regras estáticas. Por exemplo, na história do mundo até hoje a maioria das culturas no mundo ensinam o mandamento de matar qualquer inimigo que tente limitar sua expansão; no passado, essa regra era uma boa idéia, mas hoje em dia, a situação mudou, e em vez de ter inimigos, os seres humanos devem aprender a compartilhar nosso planeta incapaz de se expandir. Eu vim à comunidade de Joseph Campbell na minha busca pessoal de encontrar ferramentas que aumentasse essa possibilidade da sobrevivência dos seres humanos.

Eu reconheço que quando o número de pessoas vivas no mundo cresce, as estruturas sociais se esticam até perder sua boa fúncão anterior. Ainda existe a busca, mas as soluções parecem mais difíceis de encontrar. Para todos, eu espero que sua própria journada revele uma vontade de sustentar a nossa espécie, sem nenhuma regra estática, mas com flexibilidade que nós permita sobreviver juntos.

Em referência a questão de rituais diferentes para homens e mulheres, eu entendo que existem diferenças biológicas entre os sexos, mas a maioria de crenças supostamente sexuais são atribuidas ao homem ou à mulher desnecessariamente; essas crenças deveriam ser reuindas com a experiência comum dos seres humanos. Eu acho que isso também ajudaria a possibilidade de sobrevivência humana.

Um abraço.

Greg
Gregory L Shaw

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Post by Girassol »

Oi Pessoal,

Quando eu li a mensagem do Greg eu lembrei da passagem do Poder do Mito quando Campbell fala da “sociedade planetária”: “Quando a Terra é avistada da Lua, não são visíveis, nela, as divisões em nações ou Estados. Isso pode ser, de fato, o símbolo da mitologia futura. Essa é a nação que iremos celebrar, essas são as pessoas às quais nos uniremos...” páginas 33-35.

Um abraço.

Theresa
Girassol

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Todo esse debate me lembrou de um texto, excelente, de dois anos atrás, quando aconteceu daquele adolescente coreano ter entrado numa faculdade e matado um monte de colegas... de autoria de Martha Medeiros:

----

"Mato, logo existo"
Martha Medeiros

Não é um bom assunto para domingo, reconheço. Mas estamos sempre tão ocupados nos dias da semana que não custa reservar dez minutinhos do dia de folga para refletir um pouco sobre que espécie de adultos está sendo formada aqui no mundo. O sul-coreano que no dia 16 de abril matou 32 pessoas dentro de uma universidade americana é um exemplo - a essa altura, já antigo, mas serve. Era um doente, e qual a doença dele? Solidão, depressão. Não se pode chamar de caso raro.

Um dia depois da tragédia, entrei numa sala de bate-papo na internet para ler os comentários sobre o episódio. Até então, não estava tão perplexa - é um crime recorrente nos Estados Unidos. Mas ao me me deparar com a reação de alguns brasileiros da mesma faixa etária do assassino, aí sim estarreci. Nunca vi um conjunto de idéias tão preconceituosas, agressivas e mal escritas. Era o festival da ignorância. Uma amostra da miséria cultural, intelectual e afetiva que caracteriza os novos tempos. Ninguém discutia com civilidade, os comentários eram belicosos e ferozes e, quando discordavam uns dos outros, aí é que a baixaria rolava solta. Pensei: eles estão protegidos pelo virtualismo , mas se estivessem frente a frente e com uma arma ao alcance da mão, quem garante que não teriam seu dia de Cho Seng-Hui?

Esses garotos e garotas têm a rebeldia natural da idade, mas é uma rebeldia sem argumento, vinda do desespero. Eles cresceram assistindo a uma quantidade exagerada de violência na TV e no cinema, idolatram músicos que cantam coisas como " eu escrevo minhas próprias leis com a morte ", têm pouco contato com o pai e a mãe, mantêm amizades de faz-de-conta e são soterrados por uma avalanche de informações que mal conseguem filtrar. Tudo isso numa sociedade cada vez mais competitiva, na qual a ordem é aparecer a qualquer custo. A felicidade há muito deixou de se concentrar na trinca amor-saúde-dinheiro: agora é popularidade-sexo-e-muito-muito-muito-dinheiro. Quem tem uma vida modesta se frusta: conclui que é uma pessoa que não existe, que não conta, que não vale . E resolve dar o seu recado na marra.

Impossível esse relato não soar dramático, mas irreal não é. A vida mudou. E temos alguma responsabilidade nisso, não somos apenas vítimas, mas cúmplices. Está mais do que na hora de ficarmos mais perto de nosso filhos. De oferecer a eles livros e música boa, dar muito carinho e elogio, ficar de olho nos lugares onde eles vão e em com quem saem - um pouco de controle não faz mal a ninguém. É recomendável também tirar um sarro dessas revistas que vivem de fofoca, ridicularizar a fixação pela estética, mostrar a eles que os super-heróis de verdade costumam ser mais discretos.

Porém, discrição é uma coisa, fuga é outra. É preciso chamar essa garotada para um papo quando estiver silênciosa demais, ajudá-la a compreender essa loucura aí fora (que nem nós compreendemos direito), levá-la para viajar quando der, colocá-la em contato com hábitos mais simples e escutá-la muito, não importa sobre que assunto.

É guerra: agressividade e miséria existencial que caracterizam nossa época precisam ser enfrentadas não só com Prozac, mas com cultura e afeto. A grande maioria dos adolescentes que aí estão não conseguirá ganhar fortunas, não vai virar artista nem doutror, não vai se casar com homens com barriga tanquinho nem com mulheres que autografam a "Playboy": eles vão ter uma vida normal. E se o normal seguir não servindo para eles, pobres de nós todos.
“Nós podemos tornar nossa vida feliz ou miserável. As duas coisas dão o mesmo trabalho.”

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Ah, e Greg, seja muito bem-vindo à comunidade, e a esse debate!! :D
“Nós podemos tornar nossa vida feliz ou miserável. As duas coisas dão o mesmo trabalho.”

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